sábado, 20 de setembro de 2025

 

A Voz que Alça Voo: Celebrando Fernando Canto

Por Sônia Canto


Fala para o Lançamento do livro 'Um pouco além do Arquipélago onde acho que Deus mora’

É com o coração transbordando de emoção e gratidão que agradeço ao SESC, na pessoa do Sr. Ladislau Monte e equipe, a oportunidade nesta noite tão significativa.

Celebrar o Dia do Escritor em uma homenagem a Fernando Canto já seria por si só um privilégio. Mas esta noite é ainda mais especial, pois temos a honra de lançar 'Um pouco além do Arquipélago onde acho que Deus mora', o primeiro livro autoral póstumo deste gigante da literatura amazônida.



O Legado de Fernando Canto e a Essência do Livro

Fernando Canto foi, e continua sendo, uma voz singular em nossa literatura. Sua escrita, como as águas do Riomar que ele tanto amou, fluía com profundidade, lirismo e uma conexão visceral com a Amazônia. Este livro, 'Um pouco além do Arquipélago onde acho que Deus mora', é um testamento dessa essência. Ele próprio o descreveu como um 'apanhado de escritos' onde brota uma 'essência mística', uma 'constelação de palavras estreladas'.

O título já nos convida a uma jornada. O arquipélago, talvez a vida fragmentada, e o 'além', a busca pelo sagrado, pelo inatingível, pelo divino que se revela nos pequenos milagres do cotidiano. É um livro que nos guia pelo 'canto do pássaro prateado', uma metáfora luminosa para a liberdade, a poesia e a alma que alça voo, sem se prender às amarras do chumbo.

Aqui, Fernando nos presenteia com a amplitude de seu talento: prosa poética que nos embala, poemas que tocam a alma, e contos e crônicas que nos fazem refletir sobre a condição humana.

Ele nos leva a uma geografia pessoal, onde a 'Samaumeira' é uma mãe sagrada, onde os mitos de 'Ianejar' e as lendas da 'Sucuri' se entrelaçam com a realidade, e onde a própria Macapá, com seus '200 mil açoites', texto que publicou em 04 de fevereiro de 2022, em celebração aos 265º aniversário de Macapá, onde, segundo ele, aproximadamente 200 mil marés do Rio Amazonas lhe fustigaram a orla desde a fundação até aquela data, contando parte dos anos bissextos, se revela em sua resiliência e beleza.

Temas e a Relevância da Obra

Nestas páginas, encontramos a memória que 'nada secará', a reflexão sobre a vida e a morte, a crítica social sutil em 'O Peixe', e a celebração do amor como uma energia que 'transforma as leis do tempo em furtivas estrelas'. Fernando Canto nos convida a olhar para a nossa própria existência, para as forças que nos moldam, para a beleza da natureza e para a complexidade das relações humanas.

É uma obra que nos lembra da importância de 'desvendar' nossa terra, nossos sonhos, nossa alma, como ele tão poeticamente expressou em 'Urdidura (Enigma Amapá)'. É um convite a romper silêncios, a buscar a liberdade e a encontrar o sagrado em cada detalhe, em cada 'bilha que nos sacia a sede’.

 A emoção e o convite final

Assumir a tarefa de apresentar uma obra póstuma de Fernando Canto, um escritor de tamanha envergadura e sensibilidade, representou um desafio imenso. A ausência de sua voz para me guiar e a responsabilidade de honrar seu legado trouxeram consigo uma mistura de apreensão e reverência. Contudo, a profunda admiração por sua arte e a convicção na perenidade de sua escrita foram a força motriz que me impulsionou a este ato de coragem e ousadia.

Como bem pontua Yurgel Caldas, na apresentação, Fernando deixou o livro pronto, encadernado em espiral, coube apenas a tarefa de organizar o projeto gráfico com Silvio e Lulih, que foram especialmente profissionais, muito acolhedores e nos brindaram com este maravilhoso exemplar.

Fernando deixou explicito que o prefácio seria escrito pelo Professor Paulo Guerra, e assim foi. Explicitou dois amigos a quem ele queria dedicar poemas: Fernando Bedran e Carlos Lobato, e assim foi. Procurei deixar o projeto o mais próximo possível da concepção de Fernando Canto.

É com enorme emoção que entrego estas palavras e, mais importante, este livro ao público. Que cada página seja um novo encontro com a genialidade de Fernando Canto. Que sua voz continue a ressoar em nossos corações e em nossas mentes, e que 'Um pouco além do Arquipélago onde acho que Deus mora' seja um farol a nos guiar na dança das forças da vida.

Muito obrigada.

 


Fala proferida na fase final do I Festival de Música Universitária Fernando Canto, no dia 19/07/2025

Que honra e que emoção indescritível participar da apresentação final do I Festival de Música Universitária Fernando Canto – Voz e Instrumento na UNIFAP/Profid!

De 17 a 19 de julho, a universidade foi palco de um evento que celebrou a música em suas mais belas expressões: MPB, MPA (Música Popular Amapaense) e Gospel, reunindo acadêmicos, egressos, servidores e a comunidade em geral. 🎶

A cada performance, a cada nota, senti um carinho, um cuidado e um respeito impressionantes por parte da equipe técnica, brilhantemente liderada pelo Coordenador Prof. Dr.  Melque Lima, com o cerimonial impecável da jornalista Aline Ferreira. Vocês fizeram a diferença e tornaram essa experiência ainda mais emocionante e marcante! ✨

E a emoção foi ainda maior ao ver no júri ninguém menos que Osmar Jr., parceiro musical de longa data de Fernando Canto! No intervalo, ele nos presenteou com interpretações maravilhosas das canções "Assim como Raul" e "Farras & Cimitarras".

Foi um momento de pura nostalgia e celebração, especialmente sabendo que com essas músicas, Fernando Canto e Osmar Jr. foram vencedores do II Festival Amapaense da Canção em 1997 com "Farras & Cimitarras" (recebendo prêmios de Melhor Letra, Música Mais Popular e Melhor Intérprete), e do IV Festival Amapaense da Canção em 1999 com "Assim como Raul" (com prêmios de Melhor Letra, Música Mais Popular, Melhor Intérprete e Melhor Arranjo). Um verdadeiro atestado do talento e da parceria que marcaram época!

Este festival é muito mais do que uma competição; é uma homenagem viva à grandiosa e inspiradora trajetória de Fernando Pimentel Canto, um verdadeiro mestre e compositor amapaense.

Ao revisitar sua rica história, é absolutamente inspirador ver como Fernando Canto, desde sua participação no Conjunto Musical “FAMBER” em 1970, foi um pilar da música em nossa região. Sua jornada foi repleta de conquistas notáveis, como o 2º lugar no IV Festival Amapaense da Canção com a música “Devaneio” em 1972, e o cobiçado 1º lugar no VI Festival Universitário da Música Amapaense (FUMAP) em 1981, com a canção “Curriculum Vitae”, interpretada pelo saudoso cantor Manoel Sobral — uma conexão tão significativa com o espírito deste festival universitário!

Ele também marcou presença em concursos de composição, como em 1978, quando conquistou o 1º lugar no Concurso de Compositores do Amapá com “Joana Joá”. Sua colaboração em discos icônicos como “Marabaixo” em 1973 e sua participação fundamental com o Grupo Pilão em álbuns como “Quando o Pau Quebrar” (1986), “Na Maré dos Tempos” (1995) e “Trevelê” (1998), solidificam seu legado como um artista que não apenas criou e interpretou, mas também impulsionou e enriqueceu profundamente a cultura musical amapaense.

Estar ali, testemunhando a ascensão de novos talentos e sentindo a energia pulsante de cada apresentação, me encheu o coração de uma alegria e esperança imensas. Esta é a prova viva, palpável, de que o legado musical de Fernando Canto não se encerrou com sua partida em 29/10/2024. Pelo contrário, ele floresce e se reinventa nas novas gerações, ecoando com força e vitalidade em cada nova canção, em cada novo arranjo que surge, e em cada nova voz que se levanta e ecoa no palco da UNIFAP. 🎤💖

É uma oportunidade ímpar, e eu diria, essencial, de descobrir e incentivar esses talentos emergentes, garantindo que a chama da música continue acesa, vibrante e inspirando futuras gerações de artistas. Que a melodia atemporal e o espírito inovador de Fernando Canto continuem a ressoar em nossos corações e na rica tapeçaria da nossa cultura!

 


Registros

Bodas de carvalho

Hoje, 19/12/2024, Fernando e eu comemoraríamos 38 anos de casados. Seriam nossas bodas de carvalho. Diz o Google que as bodas de carvalho representam a sabedoria do casal que é usada para enfrentar as adversidades e os impasses da vida, eivadas de companheirismo, cumplicidade e parceria. Quis o destino que não completássemos os 38 anos de vida em comum, mas permitiu 37 anos, 10 dias e algumas horas. Sou só gratidão. Nesta trajetória fomos companheiros, cúmplices e parceiros, então, apesar da ausência física, estamos sim cumprindo nossas bodas de carvalho, pois ele vive em meu coração, no meu pensamento, na minha vida.

Em 1990, Fernando escreveu um livro chamado “Inserções num vazio equidistante”, e o dedicou a mim. Nunca foi publicado. A dedicatória: “À Sônia, este sumo. Seiva de golpe fundo.”

Ali está escrito:

TÉRMITA

Meu amor por ti

é teimoso

é roedor

é terno

Em cada 19 de dezembro, durante os anos que estivemos juntos, celebramos sem festas familiares ou com amigos. Nossa celebração tinha como testemunha o  Rio Amazonas, caudaloso, perene e nobre, onde nos dizíamos sobre nossa vida juntos, o que pretendíamos no ano vindouro. Sem alarde, momentos nossos, sem presentes, sem flor, apenas nosso amor se reinventando. Ali, nos prometíamos mundos e fundos e voltávamos pra casa mais juntos, mais serenos, mais cúmplices.

Eu, em muitos momentos, disse a ele, te amo além da vida. Ele me dizia, isto é profundo, mas só significa sempre. Eu te amo, sempre.

No mesmo livro, sobre as equidistâncias das inserções, diz:

Invernal e largo

como a noite

o teu vazio

ora germina

ora fenece

            instrumental

            cho ven do flor

Registros:

Eu: 19/12/2015:

Ah! O que dizer? Sempre juntos, amor... rumo a qualquer lugar, em qualquer circunstância... Colhemos estrelas no nosso caminho e as dispersamos em forma de bem-aventurança a todos quanto partilham conosco a alegria de viver o nosso amor. Sempre juntos, sempre um.

Ele: 19/12/2022:

Há 36 anos eu e Sonia Mont'Alverne Canto iniciamos nossa vida de casados, compartilhando o que surgiu durante esse tempo. A cerimônia foi na igreja ⛪️ de São Benedito. Nossos padrinhos foram Nazare Pacheco, Sérgio Aruana Elarrat, Beto Pacheco e Minha irmã Savina Canto, os dois últimos de saudosa memória. O padre foi Paulo Lepre e a Lúcia Uchôa Uchôa tocou magnificamente seu teclado. Obrigado, amor, por todos esses anos de convivência. Te amo. Sempre.

Eu aqui, hoje, amando Fernando Canto, além da vida e sempre.