A Voz que Alça Voo:
Celebrando Fernando Canto
Por Sônia Canto
Fala para o Lançamento do
livro 'Um pouco além do Arquipélago onde acho que Deus mora’
É com o coração
transbordando de emoção e gratidão que agradeço ao SESC, na pessoa do Sr. Ladislau
Monte e equipe, a oportunidade nesta noite tão significativa.
Celebrar o Dia do
Escritor em uma homenagem a Fernando Canto já seria por si só um privilégio.
Mas esta noite é ainda mais especial, pois temos a honra de lançar 'Um pouco
além do Arquipélago onde acho que Deus mora', o primeiro livro autoral póstumo
deste gigante da literatura amazônida.
O Legado de Fernando Canto e a Essência do Livro
Fernando Canto foi, e
continua sendo, uma voz singular em nossa literatura. Sua escrita, como as
águas do Riomar que ele tanto amou, fluía com profundidade, lirismo e uma
conexão visceral com a Amazônia. Este livro, 'Um pouco além do Arquipélago onde
acho que Deus mora', é um testamento dessa essência. Ele próprio o descreveu
como um 'apanhado de escritos' onde brota uma 'essência mística', uma
'constelação de palavras estreladas'.
O título já nos convida
a uma jornada. O arquipélago, talvez a vida fragmentada, e o 'além', a busca
pelo sagrado, pelo inatingível, pelo divino que se revela nos pequenos milagres
do cotidiano. É um livro que nos guia pelo 'canto do pássaro prateado', uma
metáfora luminosa para a liberdade, a poesia e a alma que alça voo, sem se
prender às amarras do chumbo.
Aqui, Fernando nos
presenteia com a amplitude de seu talento: prosa poética que nos embala, poemas
que tocam a alma, e contos e crônicas que nos fazem refletir sobre a condição
humana.
Ele nos leva a uma
geografia pessoal, onde a 'Samaumeira' é uma mãe sagrada, onde os mitos de
'Ianejar' e as lendas da 'Sucuri' se entrelaçam com a realidade, e onde a
própria Macapá, com seus '200 mil açoites', texto que publicou em 04 de
fevereiro de 2022, em celebração aos 265º aniversário de Macapá, onde, segundo
ele, aproximadamente 200 mil marés do Rio Amazonas lhe fustigaram a orla desde
a fundação até aquela data, contando parte dos anos bissextos, se revela em sua
resiliência e beleza.
Temas e a Relevância da
Obra
Nestas páginas,
encontramos a memória que 'nada secará', a reflexão sobre a vida e a morte, a
crítica social sutil em 'O Peixe', e a celebração do amor como uma energia que
'transforma as leis do tempo em furtivas estrelas'. Fernando Canto nos convida
a olhar para a nossa própria existência, para as forças que nos moldam, para a
beleza da natureza e para a complexidade das relações humanas.
É uma obra que nos
lembra da importância de 'desvendar' nossa terra, nossos sonhos, nossa alma,
como ele tão poeticamente expressou em 'Urdidura (Enigma Amapá)'. É um convite
a romper silêncios, a buscar a liberdade e a encontrar o sagrado em cada detalhe,
em cada 'bilha que nos sacia a sede’.
A emoção e o convite final
Assumir a tarefa de apresentar uma obra póstuma de Fernando Canto, um escritor de tamanha envergadura e sensibilidade, representou um desafio imenso. A ausência de sua voz para me guiar e a responsabilidade de honrar seu legado trouxeram consigo uma mistura de apreensão e reverência. Contudo, a profunda admiração por sua arte e a convicção na perenidade de sua escrita foram a força motriz que me impulsionou a este ato de coragem e ousadia.
Como bem pontua Yurgel
Caldas, na apresentação, Fernando deixou o livro pronto, encadernado em
espiral, coube apenas a tarefa de organizar o projeto gráfico com Silvio e
Lulih, que foram especialmente profissionais, muito acolhedores e nos brindaram
com este maravilhoso exemplar.
Fernando deixou
explicito que o prefácio seria escrito pelo Professor Paulo Guerra, e assim
foi. Explicitou dois amigos a quem ele queria dedicar poemas: Fernando Bedran e
Carlos Lobato, e assim foi. Procurei deixar o projeto o mais próximo possível
da concepção de Fernando Canto.
É com enorme emoção que
entrego estas palavras e, mais importante, este livro ao público. Que cada
página seja um novo encontro com a genialidade de Fernando Canto. Que sua voz
continue a ressoar em nossos corações e em nossas mentes, e que 'Um pouco além
do Arquipélago onde acho que Deus mora' seja um farol a nos guiar na dança das
forças da vida.
Muito obrigada.