Wendy Guerra, escritora cubana |
Sempre que termino a leitura de um livro que me emociona,
fico por dias imaginando outros desfechos, dou uma definição própria para situações
pouco explicadas e me sinto íntima dos personagens.
Com este livro magnífico de Wendy Guerra foi assim. Em minha
imaginação Nádia e Diego vivem sua história além do livro.
Ler sobre Cuba e suas idiossincrasias são um mistério a
desvendar, e nisto o livro faz a sua parte, com um misto de poesia e crueza.
Com uma linguagem leve e profunda nos leva a um quase enredo de filme.
Deparei ali com transcrições de músicas cantadas por Pablo
Milanés, que até hoje frequenta assiduamente meu pen-drive.
Desfaz alguns mitos: Fidel, Che e outros e os coloca na mesma
linha dos seres humanos mortais com suas perfeições e imperfeições. Eleva a
figura da secretária de Fidel, Célia Sanches, que não sei se é apenas uma
personagem ou se existiu de fato, mas que é de uma generosidade ímpar.
Nunca fui
primeira dama, é um livro que exala emoção. Para ilustrar
ainda mais, transcrevo a resenha de Daniel Benevides:
A cubana Wendy Guerra, uma das convidadas mais esperadas da
Festa Literária Internacional de Paraty --de 4 a 8 de agosto (veja como foi a festa de 2009)--, é desses casos
raros de escritores que se não se apoiam propriamente na literatura, e muito
menos em sua tradição, mas em outros meios, como o cinema, as artes plásticas e
a música. Disso resulta uma prosa muito pessoal, única, feita de fragmentos poéticos,
que se espalham num campo fértil entre a memória e a reflexão.
Nesse sentido, seu segundo romance, "Nunca Fui Primeira-Dama", é quase um livro-objeto ou uma performance impressa. Em busca de uma explicação para Cuba, que seja também uma forma de superá-la, como na epígrafe de Hannah Arendt (“à medida em que realmente se possa superar o passado, essa superação consistiria em narrar o que aconteceu”), e em busca também de sua própria identidade, dissolvida em parte nos segredos e sombras do regime castrista, Wendy junta trechos aparentemente casuais de diários, poemas, letras de canções, listas, cartas, documentos oficiais, históricos e reminiscências como se fossem ditados pelo ritmo espontâneo e errático da lembrança - de uma lembrança ao mesmo tempo crítica e afetiva.
A narradora é Nádia Guerra, uma versão quase idêntica à própria autora. O romance se inicia com um desabafo num programa de rádio na madrugada. Nádia, mesmo nome da mulher de Lênin, que significa esperança em russo, fala para ninguém, na calada da noite, o que pensa sobre Cuba, sobre a imposição do exemplo de seus heróis. Para ela, os “verdadeiros heróis são meus pais, vítimas de uma sobrevivência doméstica, calada, dilatada, dolorosa.” Ela mesma se coloca como uma singela heroína, que sobrevive nessa ilha e suporta o acaso de estar viva.
Mas Nádia/Wendy, assim como outros escritores/artistas antes dela (Renaldo Arenas, Pedro Juan Gutiérrez ), ama Cuba profundamente, apesar de tudo. Não quer deixá-la. A ilha é sua família, e Fidel é um de seus muitos pais. Então procura compreender esse amor estranho que a aprisiona (no caso de Wendy, nenhum de seus livros --três de poesia e dois romances, foram publicados em Cuba). E, assim, busca a história de sua mãe, uma figura forte, inconformada, que tinha também um programa de rádio, no qual registrava a música tradicional dos velhos mestres cubanos. Era começo dos anos 80 e eles ainda não tinham sido descobertos sob a alcunha de Buena Vista Social Club.
Ela havia abandonado Cuba quando Nádia era adolescente. E deixado para trás um livro censurado dentro de uma caixa preta. Nádia recolhe os manuscritos dos escombros do que um dia foi sua casa e tenta dar-lhes forma. Trata-se da história da estoica Célia Sanches, ex-guerrilheira e principal assessora de Fidel, que todos acreditavam ser a mulher secreta do Comandante. É a história de uma mulher possível, corajosa, leal ao regime, mas também de personalidade marcante, religiosa, apaixonada, interessada nas artes.
Ao mesmo tempo em que continua esse romance perdido, a biografia silenciada de Célia, Nádia vai à Europa para resgatar sua mãe, então casada com um russo milionário, mas perdida na rede traiçoeira do Alzheimer. O esquecimento de sua mãe torna-se mais um empecilho para o quebra-cabeças íntimo de si mesma e de Cuba. Restam as dívidas do amor, os amigos, a arte, e Diego, o namorado mexicano.
Se o livro começa num desabafo, termina num fluxo de prosa poética que desemboca num retorno às origens. Numa afirmação de ser, afinal, cubana, acima de tudo, apesar de tudo. É, entre outras coisas, o que faz de Wendy Guerra uma escritora especial, capaz de compor um retrato íntimo da ilha --mas não daquela ilha de herois de mármore, e sim da Cuba que respira duas gerações depois da revolução, a Cuba de heroinas singelas como ela.
Nesse sentido, seu segundo romance, "Nunca Fui Primeira-Dama", é quase um livro-objeto ou uma performance impressa. Em busca de uma explicação para Cuba, que seja também uma forma de superá-la, como na epígrafe de Hannah Arendt (“à medida em que realmente se possa superar o passado, essa superação consistiria em narrar o que aconteceu”), e em busca também de sua própria identidade, dissolvida em parte nos segredos e sombras do regime castrista, Wendy junta trechos aparentemente casuais de diários, poemas, letras de canções, listas, cartas, documentos oficiais, históricos e reminiscências como se fossem ditados pelo ritmo espontâneo e errático da lembrança - de uma lembrança ao mesmo tempo crítica e afetiva.
A narradora é Nádia Guerra, uma versão quase idêntica à própria autora. O romance se inicia com um desabafo num programa de rádio na madrugada. Nádia, mesmo nome da mulher de Lênin, que significa esperança em russo, fala para ninguém, na calada da noite, o que pensa sobre Cuba, sobre a imposição do exemplo de seus heróis. Para ela, os “verdadeiros heróis são meus pais, vítimas de uma sobrevivência doméstica, calada, dilatada, dolorosa.” Ela mesma se coloca como uma singela heroína, que sobrevive nessa ilha e suporta o acaso de estar viva.
Mas Nádia/Wendy, assim como outros escritores/artistas antes dela (Renaldo Arenas, Pedro Juan Gutiérrez ), ama Cuba profundamente, apesar de tudo. Não quer deixá-la. A ilha é sua família, e Fidel é um de seus muitos pais. Então procura compreender esse amor estranho que a aprisiona (no caso de Wendy, nenhum de seus livros --três de poesia e dois romances, foram publicados em Cuba). E, assim, busca a história de sua mãe, uma figura forte, inconformada, que tinha também um programa de rádio, no qual registrava a música tradicional dos velhos mestres cubanos. Era começo dos anos 80 e eles ainda não tinham sido descobertos sob a alcunha de Buena Vista Social Club.
Ela havia abandonado Cuba quando Nádia era adolescente. E deixado para trás um livro censurado dentro de uma caixa preta. Nádia recolhe os manuscritos dos escombros do que um dia foi sua casa e tenta dar-lhes forma. Trata-se da história da estoica Célia Sanches, ex-guerrilheira e principal assessora de Fidel, que todos acreditavam ser a mulher secreta do Comandante. É a história de uma mulher possível, corajosa, leal ao regime, mas também de personalidade marcante, religiosa, apaixonada, interessada nas artes.
Ao mesmo tempo em que continua esse romance perdido, a biografia silenciada de Célia, Nádia vai à Europa para resgatar sua mãe, então casada com um russo milionário, mas perdida na rede traiçoeira do Alzheimer. O esquecimento de sua mãe torna-se mais um empecilho para o quebra-cabeças íntimo de si mesma e de Cuba. Restam as dívidas do amor, os amigos, a arte, e Diego, o namorado mexicano.
Se o livro começa num desabafo, termina num fluxo de prosa poética que desemboca num retorno às origens. Numa afirmação de ser, afinal, cubana, acima de tudo, apesar de tudo. É, entre outras coisas, o que faz de Wendy Guerra uma escritora especial, capaz de compor um retrato íntimo da ilha --mas não daquela ilha de herois de mármore, e sim da Cuba que respira duas gerações depois da revolução, a Cuba de heroinas singelas como ela.
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