quarta-feira, 30 de abril de 2025

O MISTÉRIO DO SILÊNCIO

 

Quando Deus responde com o silêncio
Deixa sempre um mistério na tarde
Talvez porque imprima em nuvens invisíveis mensagens
Que minha mente inepta
Não pode compreender.
Mas Deus só responde mesmo com silêncio às perguntas milenares, simples e sinceras.
Não às tolas ou as elaboradas por filósofos e por computadores que mergulham suas
Indagações nas questões astrais que buscam compreender sem ter a permissão do cosmo.
Acho que Deus responde, sim, à natureza
Das ondas do universo
E nós, humanos, fazemos arranjos complexos apenas para satisfazer os
Nossos desejos de tentarmos, em vão, imitá-lo.
(Poema de Fernando Canto)


Ao ler este poema de Fernando — “O Mistério do Silêncio” — sinto uma identificação profunda, como se cada verso traduzisse o que experimento nestes seis meses de ausência. O silêncio de Deus, que o poema descreve com tanta honestidade, passou a fazer parte dos meus dias, impondo-se não como vazio, mas como um mistério a ser respeitado.
Percebo nas entrelinhas a inquietação de quem busca respostas para o inexplicável, tentando decifrar sinais nas “nuvens invisíveis” ou encontrar sentido onde só há silêncio. Nesse tempo de luto, compreendi que não cabe à razão exigir explicações, e nem sempre a dor cabe em palavras, fórmulas ou argumentos — ainda que os filósofos e até os computadores tentem, como Fernando escreve, parar o universo para entendê-lo.
Hoje, percebo como o silêncio também responde: é no silêncio que sinto a natureza, as ondas deste universo que me permitem, vez ou outra, pressentir a presença do que partiu, e ainda assim permanece em mim. Neste poema, encontro um convite gentil a me render ao mistério, a aceitar que minhas lágrimas e minhas perguntas ficam diante de Deus, esperando não pela resposta falada, mas por serena aceitação.
Tal como Fernando expressou, reconheço minha “mente inepta” frente ao mistério. Mas aceito que parte do amor e do consolo está em não compreender tudo, percebendo — nesta poesia e no silêncio — a beleza discreta do que não se revela, mas toca o mais profundo de mim.
Hoje, como diria Fernando, estou desaguada. Que o desaguar seja também caminho de acolhimento, saudade luminosa e renovação — assim como ressoam nestes versos que encontrei em seus guardados — sem título —, guardados esses que o mistério do silêncio carrega.

P.S. Estes texto foi escrito em 29/04/2025, seis meses após a viagem de Fernando para o além.

Memória. Grupo Pilão 45 anos. Macapá Verão 2020

 


domingo, 27 de abril de 2025

Augúrio: Auspiciosa Semana

Encontrei este poema nos escritos de meu amor, Fernando Canto. 

Inicialmente, ao ler o título "Augúrio", imaginei algo como “agouro” ou equivalente; todavia, quase paradoxalmente, vi que o poema trabalha com a ideia de presságios positivos, utilizando símbolos como o voo e o canto das aves para anunciar dias melhores. A escolha do título "Augúrio" pode, de fato, evocar a ideia de "agouro", um presságio negativo. No entanto, o poema subverte essa expectativa, explorando o lado positivo da premonição. Essa dualidade entre o potencial negativo e a realização positiva cria uma tensão interessante, que se resolve ao longo dos versos, culminando em uma mensagem de esperança e otimismo. 
O eu lírico assume um tom profético, quase como um oráculo benevolente, que prevê felicidade, amizade e fraternidade. A repetição de termos como "profecia", "presságio" e "agouro" não apenas reforça o tema da premonição positiva, mas também evoca uma atmosfera de mistério e encantamento. Esses termos, carregados de significados ancestrais, transportam o leitor para um universo onde o futuro é vislumbrado através de sinais e símbolos. 
O poema é curto, composto por versos em forma de dísticos e quadras, com linguagem elevada e vocabulário ligado ao misticismo ("augúrio", "vaticínio", "predição"). Embora a métrica do poema seja irregular, essa característica contribui para um ritmo fluido e envolvente. As aliterações suaves, como em "voos… aves" e "sororidade… fraternidade", reforçam a musicalidade do texto, criando uma experiência sonora agradável e memorável. 
As imagens que o poema evoca são ricas em simbolismos. O voo das aves, por exemplo, pode ser interpretado como um símbolo de liberdade e ascensão, enquanto o canto representa a expressão da alegria e da harmonia. Esses elementos, combinados, sugerem uma jornada de transformação pessoal rumo a um estado de felicidade e plenitude.
A meu ver, o poema é um convite à esperança, enfatizando ações positivas ("boas palavras", "boas ações") como sementes para um futuro próspero. Há um tom didático na exaltação da coerência e da estima como antídotos para as "agruras" da vida.
O subtítulo "Auspiciosa Semana", creio, é uma pequena obra de encorajamento, onde a poesia funciona como um ritual de boas-vindas à felicidade. 
Ao escrever um poema, um conto ou uma crônica, Fernando sempre me pedia para eu escrevesse sobre as minhas impressões. Às vezes dizia, “é isto mesmo”. Outras, “estás equivocada, o que eu quis dizer é...”. Não ouso imaginar o que ele diria destas minhas impressões sobre este poema que li hoje, pela primeira vez.
Meu Fernando, como amo você.