Quando Deus responde com o silêncio
Deixa sempre um mistério na tarde
Talvez porque imprima em nuvens invisíveis mensagens
Que minha mente inepta
Mas Deus só responde mesmo com silêncio às perguntas milenares, simples e sinceras.
Não às tolas ou as elaboradas por filósofos e por computadores que mergulham suas
Indagações nas questões astrais que buscam compreender sem ter a permissão do cosmo.
Acho que Deus responde, sim, à natureza
Das ondas do universo
E nós, humanos, fazemos arranjos complexos apenas para satisfazer os
Nossos desejos de tentarmos, em vão, imitá-lo.
(Poema de Fernando Canto)
Ao ler este poema de Fernando — “O Mistério do Silêncio” — sinto uma identificação profunda, como se cada verso traduzisse o que experimento nestes seis meses de ausência. O silêncio de Deus, que o poema descreve com tanta honestidade, passou a fazer parte dos meus dias, impondo-se não como vazio, mas como um mistério a ser respeitado.
Percebo nas entrelinhas a inquietação de quem busca respostas para o inexplicável, tentando decifrar sinais nas “nuvens invisíveis” ou encontrar sentido onde só há silêncio. Nesse tempo de luto, compreendi que não cabe à razão exigir explicações, e nem sempre a dor cabe em palavras, fórmulas ou argumentos — ainda que os filósofos e até os computadores tentem, como Fernando escreve, parar o universo para entendê-lo.
Hoje, percebo como o silêncio também responde: é no silêncio que sinto a natureza, as ondas deste universo que me permitem, vez ou outra, pressentir a presença do que partiu, e ainda assim permanece em mim. Neste poema, encontro um convite gentil a me render ao mistério, a aceitar que minhas lágrimas e minhas perguntas ficam diante de Deus, esperando não pela resposta falada, mas por serena aceitação.
Tal como Fernando expressou, reconheço minha “mente inepta” frente ao mistério. Mas aceito que parte do amor e do consolo está em não compreender tudo, percebendo — nesta poesia e no silêncio — a beleza discreta do que não se revela, mas toca o mais profundo de mim.
Hoje, como diria Fernando, estou desaguada. Que o desaguar seja também caminho de acolhimento, saudade luminosa e renovação — assim como ressoam nestes versos que encontrei em seus guardados — sem título —, guardados esses que o mistério do silêncio carrega.
P.S. Estes texto foi escrito em 29/04/2025, seis meses após a viagem de Fernando para o além.