Publicado em 29/12/2024
Os dias passam lentos, mornos e insignificantes e, paradoxalmente, sua ausência se faz mais presente. As lembranças emergem em tempestades avassaladoras. Gestos, palavras inventadas cujo significado apenas a nós dois fazia sentido.
Sem seu olhar as paisagens estão descoloridas, desfocadas. O Rio Amazonas forte e caudaloso, parece apequenar-se sem a sua apreciação.
Sem sua presença os pássaros mudaram para outras plagas, pois o canto matinal tornou-se inaudível.
Não vejo borboletas no nosso jardim, já que as flores estão sem beleza e preguiçosas.
Lidar com a presença de sua ausência é um exercício exaustivo e permanente, sôfrego e voraz, estranho e pulsante. Consome a alma.
O meu amor partiu e me deixou desnorteada, confusa e triste, mas as lembranças de tudo o que compartilhamos me fazem buscar com afinco a leveza necessária para que eu continue existindo.
Compartilho um recorte da Crônica amorosa da casa de praia, escrita em 2010, onde nossa vivência brilha espraiada.
... “Na rede da varanda a gente olhava a lua imensurável aos nossos olhos, em silêncio. Até que ela falou: - Obrigada, amor, foi um dia puxado, mas recompensador. Lembra-se disto? Disse-me mostrando um anel de ouro e brilhante, envelhecido. - Encontrei-o ao trocar a terra de um vaso quando meditava sobre o que tem sido a minha vida ao seu lado. Eu agradecia a Deus por ela ser tão cheia de desafios, de vitórias e de superações e por ser prenhe de amor e de perdão, justamente quando arranquei um pé de quebra-pedra e esmaguei a terra de suas raízes. Eu estava sem as luvas de borracha, pois tem hora que elas incomodam, e de repente aquele anel sujo parecia querer se alojar novamente no meu dedo. Foi um dia feliz porque recuperei um objeto que faz parte da nossa história, meu anel de noivado, que você me deu e que eu havia perdido durante a construção desta casa, lembra? Ah, eu tinha chorado tanto e agora ele volta para o meu dedo assim... Tão simples.
Eu a deixei chorar de alegria, um aparente gesto de fragilidade no rosto de uma mulher tão forte e corajosa. Apesar de estarmos cansados, conversamos abraçados a noite inteira, falando da vida, das coisas que vão e que voltam mesmo quando nem imaginamos e, claro, dos netos e filhos, tão inteligentes e bonitos. Então o sol chegou como um imenso anel de brilhante para iluminar nossa história de amor e os sonhos que sonhamos para quem amamos, nos embalando na rede da varanda da nossa casa de praia.” (Fernando Canto)
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