Doze Olhos
Poema de Fernando Canto
Mano, estarás presente aqui no chão
E 12 olhos sustentarão
O teu olhar ardente
Do nascer do sol até o escárnio
Das orações que farão de ti
Um lobo de espécie em decadência.
Então cada sorriso teu só brilhará
Com a cura que virá
Para tua alma envenenada
Que teu coração primordial não esquece.
Mas veja bem:
Os 12 olhos te perseguirão
Nos caminhos iluminados por tochas de estrelas
Na caminhada inevitável em direção
Da luz maior que derreterá tua alma fria.
Os 12 olhos vão lacrimejar na despedida
Ofuscados pelas luzes radiantes
Da partida.
(FC 07/07/2014)
Um ano depois, me percebo num misto de estupefação e clareza
ao revisitar os textos, foto, e blogs buscando organizar seu excepcional legado
para projetos futuros.
Encontrei o poema Doze Olhos, escrito em 07/07/2014. À
primeira leitura, imaginei que este poema já havia sido publicado em algum dos
20 livros. Não. É inédito. Foi publicado no blog do Elton Tavares em
26/01/2024, encaminhado pelo próprio Fernando (https://www.blogderocha.com.br/poema-de-agora-doze-olhos-fernando-canto/).
Estarreci de vez. A minha percepção sobre "Doze Olhos" de Fernando
Canto, escrito em 2014, reverberou com tal intensidade na véspera de sua
partida física. Senti como se fosse um testemunho pungente da atemporalidade de
sua poesia. Senti como se ele tivesse derramado aquelas palavras já com um
pressentimento íntimo, uma melodia premonitória de sua própria despedida.
É, de fato,
impressionante a maneira como alguns artistas parecem transcender as barreiras
do tempo, legando-nos obras que ganham novas camadas de significado à medida
que a vida se desdobra.
Essa sensação de que o poema foi escrito "às portas de
sua despedida", apesar de uma década de distância, não é mera
coincidência; é a assinatura da verdadeira arte. Fernando Canto, através de
"Doze Olhos", nos convida a uma reflexão multifacetada sobre a
existência, o olhar do outro e, em última instância, a jornada da alma.
Permito-me seguir explorando o texto escrito por Fernando,
recordando o que ele sempre me dizia: “um texto, ao ser publicado alça voo. O
escrevente não tem mais poder sobre ele, cabe ao leitor decidir seu destino:
acolhe ou simplesmente o ignora”.
Doze Olhos: A Vigilância do Amor e o Espelho do Ser
"Mano, estarás presente aqui no chão
E 12 olhos sustentarão
O teu olhar ardente"
Nestes versos, vislumbro o apoio, a certeza de que, apesar
das "orações que farão de ti / Um lobo de espécie em decadência", há
uma força que sustenta, que reconhece o "olhar ardente" – a essência
vibrante que define o ser. É o paradoxo da vida: ser moldado e, por vezes,
desafiado pelo olhar alheio, sem nunca perder a chama interior.
A poesia de Fernando não se esquiva das sombras, e é na
vulnerabilidade que a esperança floresce. A menção à "alma
envenenada" e a promessa de "cura que virá" ressoam
profundamente com a experiência humana de dor e superação. Cada sorriso, cada
brilho, torna-se um testemunho dessa resiliência, ancorado na pureza de um
"coração primordial" que se recusa a esquecer sua essência.
"Os 12 olhos te perseguirão
Nos caminhos
iluminados por tochas de estrelas
Na caminhada inevitável em direção
Da luz maior que derreterá tua alma fria."
A Luminosidade da
Partida
"E quando olhares para trás
Os 12 olhos vão lacrimejar na despedida
Ofuscados pelas luzes radiantes
Da partida."
Fernando, há dez anos, parecia vislumbrar o próprio adeus. Os "12 olhos" que "vão lacrimejar na despedida" podem ser os meus (Sônia), os de Oriana, os de Julia, os de Lênio, os de André, os de Bruno, os de todos que o amam. São lágrimas de saudade, de perda, de "noventa dias de ausência física, mas a presença de Fernando em mim se fortalece dia após dia". A genialidade reside em que essas lágrimas são "ofuscadas pelas luzes radiantes da partida". A "partida" não é escuridão, mas um esplendor.
Essa "luz radiante" é o legado que ele deixou, os
livros inéditos, as canções, os projetos tento organizar e trazer à tona. É o
Festival de Música Universitária Fernando Canto, o Teatro Municipal Fernando
Canto, o lançamento do livro "Um pouco além do arquipélago onde acho que
Deus mora". É a percepção de que seu legado não se encerrou; ele floresce
e se reinventa nas novas gerações. A dor da ausência, embora real e profunda, é
temperada, é superada pelo brilho incontestável de sua obra e de sua memória.
"Doze Olhos" é, neste contexto, um testamento do
amor eterno de Fernando, da sua própria resiliência e da crença de que a arte,
o amor e a vida se encontram em uma "safra permanente". Este poema é
um convite de Fernando para mim e para o mundo: sim, choremos a partida, sintamos
a saudade, mas acima de tudo, celebremos a luz que ele irradia e que agora eu,
como Guardiã, perpetuo. Ele previu a dor, mas também a luminosidade que viria a
transcender tudo.
Fernando Canto, há dez anos, já parecia intuir que sua
partida seria não um mergulho na escuridão, mas um encontro com uma luz tão
intensa que ofuscaria a tristeza dos que aqui ficariam. Ele nos oferece uma
visão poética da morte não como um silêncio, mas como uma sinfonia de estrelas.
Ao revisitar os escritos de Fernando Canto hoje, percebo que
a verdadeira arte é aquela que, independentemente do tempo, continua a dialogar
com a alma humana, oferecendo novas camadas de compreensão e emoção a cada
leitura. "Doze Olhos" é um legado que nos convida a ver a vida – e a
partida – com um olhar mais profundo, mais esperançoso, e eternamente luminoso.
Que a vida literária de Fernando possa continuar brilhando nesta
“constelação de palavras estreladas” (escritos não publicados) que ele
generosamente me encarregou de fazê-las “ganhar asas e desfilar no firmamento”. (Sônia Canto)

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