segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

AS ILHAS ENCANTADAS DO MARAJÓ, Walcyr Monteiro

Walcyr Monteiro27011940a

Walcyr Monteiro é jornalista profissional, trabalhou e colaborou em diversos jornais e revistas. Atuou como professor de ensino médio e superior nas disciplinas Antropologia Cultural, Economia Brasileira e Ciência Política na área da educação.

Seu livro Visagens e Assombrações de Belém já foi utilizado como base para produção do roteiro do longa-metragem Lendas Amazônicas (1998), e o curta-metragem Visagem (2006).

O informante de "O estranho cliente do Dr. X" fez mais duas narrativas que, segundo ele, tem ligação direta com o local onde possivelmente foi o médico.

Disse que há cerca de 10 anos, mais ou menos, a convite de um amigo, realizou uma viagem ao Marajó. Saíram de Belém em canoa movida a vela até alcançarem a parte Oriental ilha. Aí, saltaram próximo a foz do rio Camará, no atual município de Salvaterra.

"- A paisagem local impressionou-me deveras. As poucas vezes que sai de Belém ou foi para o Mosqueiro ou para Salinas, de modo que tudo para mim, ali, era novidade. Já lera coisa em livros de geografia, bem como ouvira o professor em sala de aula a respeito de mangues ou mangais. Mas, uma coisa é ler ou ouvir e outra é ver. As descrições orais ou escritas não pintavam nem de longe o que estava vendo: próximo a praia, estendendo-se por muitas centenas de metros, lá estavam os famosos mangais. Não nego que a primeira vista fiquei assustado. Cerca de 18 horas e começava a escurecer o que dava um ar tristonho ao local. Se o crepúsculo em si tem grande dosagem de nostalgia, naquele trecho do Marajó garanto que tem muito mais. Porém, como dizia, o mangal se estendia por centenas de metros. Era uma área lamacenta, e as árvores apresentavam-se desfolhadas e com as raízes a mostra. Seus galhos pareciam imensos braços a querer agarrar os que lhe passassem nas proximidades. O quadro parecia até um desses desenhos de revistas de terror. Embora assustado, como estivesse entusiasmado com meu primeiro passeio ao interior paraense, caminhei a frente, por onde me indicaram o rumo que deveríamos seguir. Foi quando ouvi um ruído estranho, como nunca tinha ouvido na vida. Uma espécie de "paissssssssssss...", porém alto, apavorante. Parei. O ruído parou, também. Voltei a caminhar e novamente o "psisssssssssssss...!" Tornei a parar e esperei pelos meus companheiros, dois amigos de Belém e três caboclos do local. Os amigos já conheciam o Marajó e vinham rindo de mim. Fiquei mais calmo, pois verifiquei que não devia ser nada a temer. O problema é que, por mais que olhasse, não via nada. No entanto, se dava uns passos a frente, o ruído recomeçava. Então eles me mostraram o que era: caracas, aos milhões, seguras às raízes das árvores. Aproximei-me e verifiquei que a caraca era uma espécie de molusco parasita, com a forma de um pequeno vulcão, cuja cratera ficava aberta e, a aproximação de qualquer coisa, fechava, dando um pequeno estalido. Era este estalido, porém de muitos milhões delas, que gerava o ruído.

Apesar disto, tranquilizei-me somente quando deixamos as cercanias do mangal. Depois de atravessarmos o rio, fomos dormir em uma choupana de um dos três caboclos, na margem direita do rio, próximo à foz. Eles lá chamavam o lugar de São Tomé. Tive uma noite inquieta, sonhando inclusive com seres estranhos, vestidos de maneira esquisita. Acreditei que isto tudo era influência do aspecto do lugar.

No dia seguinte, tomamos uma montaria e fomos dar uma volta ao largo. Quase defronte a foz do rio, pela margem direita, existem duas ilhas, uma menor que a outra. A maior denomina-se C'roa Grande (Coroa Grande) e a menor C'roinha (Coroinha). O porquê de tais denominações, desconheço. Procurei informar-me, mas não souberam explicar-me. Manifestei desejo de conhecê-las. Os caboclos responderam negativamente. Insisti. Eles afirmaram:

- Olhe, moço, o senhor é da cidade e não acredita nestas coisas. Mas a verdade é que estas ilhas são encantadas.

Ri comigo mesmo! E pensei: mais um mito desta mitológica Amazônia. Procurei extrair mais de acompanhantes, enquanto observava as ilhas. Vegetação exuberante, como no resto da região, belas, apresentavam única diferença: nenhuma habitação nas duas. Aliás, nada que indicasse já haver sido pisada pelo homem.

Um dos caboclos resolveu historiar.

- Desde o tempo de meu avô, e acho que antes dele, já se dizia que a C'roa Grande e a C'roinha são encantadas. Disque quem pisa lá não volta para contar o que viu e o que não viu. Eu até que pensei que isto era besteira, mas, há 4 anos, dois caboclos resolveram ir lá. Eram o Mundico e o João. Eram corajosos e bons caçadores. Armaram-se, tomaram a montaria e foram para a C'roa Grande. E nunca mais voltaram! Ninguém sabe o que foi feito deles.

- Ora, argumentei, naturalmente a montaria naufragou e eles morreram afogados! - Não, senhor. Eles desapareceram foi na ilha. A montaria, dias depois, veio trazida pela correnteza. E não veio "emborcada", não! É, moço, as ilhas são encantadas.

- Mas, que espécie de encantamento é este?

- Não sei não! Disque é gente do fundo. Às vezes se ouve barulho, de noite, vindo das ilhas. Parece até que dão festas lá.

Fiz tudo para ir a C'roa Grande, meus acompanhantes mantiveram-se irredutíveis: eles não iam lá de jeito nenhum. E que era bom que não insistisse muito, pois, só pelo fato de estar demonstrando tal desejo, poderia ser " encantado" pelos habitantes do fundo.

Já estávamos voltando para o nosso ponto de partida, e a montaria deslizava nas águas barrentas.

No dia seguinte, tínhamos de partir em direção a Joanes, Beirada, Condeixa, Jubim, seguindo até Salvaterra. Fiquei ansioso por ir as ilhas. Fiz o possível para voltar à tarde, mas os demais habitantes do lugar, todos, sem exceção, recusaram-se a ir a C'roa Grande e a C'roinha. E contaram vários casos semelhantes ao de Mundico e ao de João, através dos anos. Vez em quando, surgia um que duvidava, ia investigar e desaparecia. Os seus contemporâneos não mais queriam saber de ir lá. Mas, depois de um certo tempo, surgiam outros e acontecia a mesma coisa. Raimundo e João tinham sido os últimos. Outra coisa que costumava ocorrer: se a pessoa se aproximava muito do local, era acometida de alta febre, durante a qual delirava e falava de estranhos personagens, após o que morria, Deixei o lugar curioso e fazendo mil e uma conjecturas sobre o que poderia estar acontecendo ali. Várias hipóteses formulei, inclusive pensando em termos de ignorância dos habitantes e do próprio aspecto do lugar, daí nascerem tais crendices. Afinal, eu mesmo não havia me assustado no mangal? Era natural, portanto, lendas desta natureza. Sempre foi assim: quando o homem não consegue explicar certos fenômenos da natureza, apela para o sobrenatural. E disto a Amazônia está cheia!"

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- Mas, e a relação deste caso com o do "Estranho cliente do Dr. X"?

- Ah! Isto foi algum tempo depois. Porém foi uma outra história, que me fez relacionar os três fatos!

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