segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

NÃO FAÇO MAIS NEGÓCIOS COM PEREMAS

joseli dias Joseli Dias

Tá decidido. Não faço mais negócios que envolvam peremas como forma de pagamento. Eu sei que os eco-chatos vão criticar meu paladar excêntrico, mas convenhamos: não dá para resistir a uma bela perema guisada, com pimenta de cheiro, arroz branco, farofinha e um açaí bem gelado. Na falta do açaí, costumo substituí-lo por uma dose de pinga para rebater o almoço.

Eu devo explicar que o fato de desistir das peremas nada tem a ver com consciência ecológica, porque essa degustação só é feita uma ou duas vezes no ano, quando viajo pelo interior, onde a quantidade de quelônios é farta e não há grandes alterações no meio ambiente. Na verdade, foi a cidade que me fez desistir. Se há um deus das peremas, talvez tenha o dedo dele nessa questão, porque, nas duas vezes em que eu pensei que as bichinhas iriam parar na minha panela, me enganei redondamente.

Na primeira vez estávamos eu e a professora Angela Nunes, minha esposa, a caminho do Curralinho, onde um amigo nosso tem um belo terreno de frente pro rio, farto em tucunarés. Eu gosto muito de pescar, então no domingo preparei o molinete, escolhi as iscas artificiais e seguimos pra lá. Íamos pela rodovia AP-10, quando logo depois de passar a lixeira pública, uma placa me chamou atenção:

BAR DA VIÚVA A 300 MTS.

Uma seta indicava que era só seguir um ramal que chegava lá.

Minha curiosidade falou mais alto e resolvemos conhecer rapidamente o local. Ao chegarmos lá, descobrimos que se tratava apenas de um barzinho muito mal ajambrado, com música brega e vários bêbados. Nem descemos do carro. Fazendo a curva de volta, fomos parados por um pinguço.

- Você vão pra lá? Me dão uma carona?

Eu disse que não, que não dava porque ia parar logo mais adiante, mas ele insistiu:

- Eu moro logo ali na frente. Se vocês me levarem, eu dou duas peremas que tenho guardadas lá em casa.

Falou em perema já viu, né?. Nem liguei pra minha mulher reclamando, mandei o cara entrar e levantei poeira na estrada. Quando chegamos na casa ele prontamente agradeceu e entrou rapidamente.

Eu fiquei lá, esperando ele voltar com as peremas e, como isso não aconteceu, businei pra ver se aparecia alguém. Apareceu. E era uma mulher zangada, maltratada pelo tempo, veio logo esculhambando.

- Vocês estavam com o sujeitinho, é?

Disse que não, que só tinha dado uma carona e esperava a perema de pagamento.

- Perema? Aqui não tem perema nenhuma. Ele sempre diz isso quando quer carona, disse a mulher, voltando a entrar na casa e batendo a porta, zangada.

O chato não foi ter perdido as duas peremas. O chato, mesmo, foi agüentar minha mulher rindo do caso enquanto, de cara fechada, pescava. Passei vários dias ouvindo ela contar para os parentes o acontecido.

Meses depois eu estava no pátio de casa, quando um senhor já de idade, que passava, parou ao perceber quatro pneus que estavam arrumados em um canto. Depois de me dar bom dia, ele foi logo perguntando se os pneus estavam ali para serem jogados no lixo:

- É que eu trabalho em uma fazenda no Aporema e queria dois pneus assim pra montar uma carroça e poder trabalhar sem muito esforço. Eu seria capaz de trazer umas cinco peremas pra quem me desse os pneus…

Aí deu na ferida, né? Eu fui logo lembrando que lá onde eu trabalhava haviam uns pneus sobrando e que o chefe já havia mandado jogar fora. Bastava ele passar lá no outro dia que estaria tudo na mão.

E o velhinho foi lá. Depois e examinar um a um, levou dois pneus meia-boca e disse que dali a quinze dias, quando retornasse da fazenda, traria as peremas. Só depois que ele foi embora, que eu lembrei que já havia sido enganado desse jeito. É lógico que o velinho não voltaria mais.

Eu estava enganado. Ele voltou. Foi numa segunda-feira, que minha secretária avisou que “o homem dos pneus” estava lá fora. Fui atender e ante que eu dissesse qualquer coisa, ele se adiantou:

- Meu querido amigo, trouxe suas peremas!!!

Imaginem o contentamento: cinco peremas para serem guisadinhas. Mas, cadê elas?

- É que eu deixei lá no Perpétuo Socorro, guardadas na casa de um amigo meu. O senhor me arranja 5 reais que eu vou lá buscar de moto-táxi rapidinho.

Dei 10 reais pra ida e volta. Aí sim, o cara desapareceu.

É pra não ter mais ódio no coração que eu não faço negócios envolvendo peremas.

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